Será
que a política e governo no Brasil não teriam alguma coisa a aprender
com o futebol? Afinal este é um esporte em que somos considerados os
melhores do mundo.
Ambas são atividades sociais e coletivas; os que assistem aos jogos
podem ser equiparados aos eleitores; clubes podem ser encarados como
partidos políticos; seus associados e torcedores aos militantes e
simpatizantes do partido; técnico e direção podem ser assemelhados aos
líderes partidários e governantes; as regras do futebol corresponderiam
às leis do país e à Constituição; o árbitro em campo seria o juiz
singular decidindo sobre matéria de fato, sujeita a um rito processual
de urgência; a conquista do campeonato à conquista do poder; a mídia do
futebol equivale em importância à mídia que cobre a política; dela
fazem parte analistas, cronistas, repórteres como ocorre também na
política; conflitos sobre a aplicação da lei, em ambos os casos são
sujeitos a tribunais especializados.
O curioso é que o futebol, exatamente aquela atividade onde somos
inequivocamente os melhores do mundo, o esporte mais valorizado pelos
brasileiros e motivo de orgulho nacional, está todo ele apoiado no que
poderíamos chamar de princípios da livre iniciativa, que não são
igualmente avaliados de forma positiva na atividade política, dominada pelo Estado.
No futebol o princípio da livre competição é soberano e indiscutível;
suas hierarquias são decididas em função do mérito; a disputa está
sujeita a regras objetivas e exclusivamente processualísticas;
remuneração e avaliação dependem do desempenho; as partes gozam de plena
liberdade para contratar e distratar; há uma total ausência de
legitimidade para os interesses corporativos ou para favorecimentos e
nepotismo, que possam interferir com o melhor desempenho do clube na
competição.
Houve pelo menos dois precedentes que contrariaram essas características do futebol: a chamada “democracia corintiana” de Sócrates e, no outro extremo, a interferência do presidente Medici na convocação de Dario para a seleção de 1970.
É significativo que, nenhum dos dois prosperou e conseguiu se constituir em exemplos para novos episódios análogos. Quais então as características essenciais do futebol que são iguais às características da atividade política e, ao mesmo tempo diferentes?
Em primeiro lugar o princípio da competição.Há umapermanente competição entre jogadores; entre clubes; entre dirigentes; entre estados; entre países.
Esta competição está sujeita a regras explícitas, plenamente conhecidas por jogadores, dirigentes e torcedores. É ela que define o sucesso na atividade. O torcedor premia o melhor com seu entusiasmo e apoio; o clube premia o melhor com salário; a mídia premia o melhor com prestígio e fama; o país premia o melhor com a convocação para a seleção.
Assim, a ascensão do jogador na sua carreira como seu salário resultam do mérito. Isto é provar que é o melhor. Não há compadrismo, nem caridade, nem quotas, nem nepotismo.
De nada vale a melhor intenção de ganhar o campeonato, de nada valem promessas que não se realizam no campo. O critério do desempenho e da valorização pelo mérito é absoluto e igualmente aceito por todos os participantes.
O que torna o futebol possível, entretanto, é a existência de regras
estáveis, aceitas e respeitadas por todos os participantes do esporte. O
jogo tem que ser jogado dentro das regras. O juiz é a autoridade final e
decisiva na interpretação das jogadas dentro das regras do jogo.
São regras que mudam muito raramente. Contrariamente ao que se assiste na política, ninguém se atreve a cada ano, depois do campeonato tentar impor uma reforma das leis do futebol, com a mesma facilidade que se propõem reformas políticas e da lei eleitoral.
Jogadores, árbitros, treinadores, dirigentes, torcedores aprenderam
as regras e com elas estão habituados. No futebol, ao contrário da
política, ninguém pensaria que é admissível que o vencedor do campeonato
tenha, por essa condição, o poder para decidir sobre onde se joga, quem
será o árbitro, qual o orçamento de cada clube, quem nomear para os
Tribunais Esportivos, qual o espaço de mídia que os clubes deverão ter
etc.
As regras constituem uma tessitura normativa muito delicada. Mexer
numa implica em alterar outras e arrisca provocar um desequilíbrio no
sistema geral dentro do qual o jogo é jogado. Oxalá este sentimento de
acatamento das regras também predominasse na política.
Texto Francisco Ferraz
Nenhum comentário:
Postar um comentário